Publicação aborda estratégias para o combate à desinformação e o papel da ética da informação
Neste mês, o International Center for Information Ethics (ICIE) publicou o Livro de Resumos do 4º encontro da entidade na América Latina e Caribe, realizado de 09 a 11 de outubro de 2023, em Montevidéu (Uruguai), em paralelo ao 1º Simpósio Uruguaio de Ética da Informação e da Comunicação. A publicação joga luz sobre estratégias de combate à desinformação e o papel da ética informacional nesse contexto, a partir de apresentações de trabalhos, pesquisas no âmbito da pós-graduação e indicações de livros sobre Ciência da Informação lançados no evento. Entre os colaboradores, estão os pesquisadores brasileiros Marco Schneider, Ana Regina Rêgo, Arthur Bezerra e Luciane Cavalcante.
Atual coordenador da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), pesquisador titular do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) e líder do Grupo de Pesquisa Perspectivas Filosóficas em Informação (Perfil-i), Marco Schneider assina o texto Ideologia, falso testemunho e patrimonialismo: elementos ético-informacionais subjacentes ao debate em torno da regulação das plataformas digitais de comunicação. Nele, o autor aborda o debate sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil e o uso da falsa ideia de liberdade de expressão por setores mais conservadores que se opõem às práticas regulatórias.
"A defesa da liberdade de expressão, neste caso, é um subterfúgio para assegurar que a propagação de mentiras deliberadas com fins eleitorais não seja coibida. Junto a isso, anticiência, revisionismo histórico e teorias da conspiração do tipo mais reacionário compõem um fascio narrativo voltado a desqualificar a crítica à ideologia neoliberal e a práticas patrimonialistas que subjazem a esses discursos, mas que não ousam se apresentar explicitamente", destaca.
Diante disso, o pesquisador propõe uma atualização do debate, focada no testemunho verdadeiro e na verdade do tipo científico, calcada em evidências aceitas pela maioria dos quadros sérios da comunidade científica especializada em determinado assunto. "Se é difícil ou mesmo impossível chegarmos a um acordo sobre a origem do universo ou o sentido da vida com base em testemunhos verdadeiros ou evidências, é perfeitamente possível saber o resultado de um jogo de futebol, se a terra é redonda, se vacinas previnem doenças, se enfrentamos uma gravíssima crise ambiental", ressalta Schneider.
Na mesma direção, Ana Regine Rêgo, fundadora da RNCD e professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (PPGCOM/UFPI), assina o texto Regulação de plataformas digitais como estratégia para reduzir a desinformação. Segundo a pesquisadora, o cenário de transformações tecnológicas possibilitadas pelas plataformas digitais guarda, em si, tanto impactos disruptivos como potência positiva, mas também acarreta em consequências negativas.
"A desinformação sistêmica permeia redes sociais e aplicativos de mensageria e é beneficiada pelo modelo de negócios de cada plataforma. Em comum, estas plataformas possuem a adoção de estratégias distintas de atração para atenção dos usuários, visando mantê-los conectados com intenção de deixá-los disponíveis para a recepção de conteúdos mercadológicos e ideológicos recomendados ou impulsionados. Ao mesmo tempo, também capturam e mineram seus dados e interações dos usuários, sob a justificativa de aprimoramento da experiência digital e maior eficácia na entrega da informação segmentada. No entanto, as consequências desse modelo de negócio são extremamente prejudiciais", alerta.
De acordo com a pesquisadora, a regulação democrática das plataformas é o caminho. "A integridade da informação e a concretização de uma convivência digital saudável perpassam muitos ambientes e iniciativas públicas e privadas e pressupõe que todos os atores envolvidos sejam responsáveis. A regulação pública e estatal a partir da criação de um escopo legal que atue na coibição de excessos é necessária, tanto quanto as possibilidades de abertura para atualização constante das leis com vistas a agir em potenciais riscos sistêmicos", saliente Ana Regina.
Já Arthur Bezerra, atual presidente do ICIE e pesquisador titular do Ibict, é autor de As afinidades eletivas entre a ética do compartilhamento de informação e o "espírito" do capitalismo da era digital. Para isso, Bezerra parte da metáfora sobre afinidades eletivas adotada por Goethe, em 1809, para referir-se à atração afetiva entre dois personagens, e por Max Weber, em A ética protestante e o "espírito" do capitalismo, em alusão à "química" entre um determinado traço cultural – a conduta moral da religião protestante – e um tipo de orientação econômica – a acumulação capitalista.
"Tendo em vista a plasticidade dos usos da expressão, seja nas ciências naturais, nas ciências sociais ou na literatura, torna-se possível falar também em afinidades eletivas para designar o 'grau de adequação particularmente elevado' (expressão do próprio Weber) que existe entre a ética do compartilhamento de informação na internet e o 'espírito' do capitalismo da era digital", explica.
Segundo o autor, as empresas de hard e softwares possuem claras afinidades eletivas com a cultura do compartilhamento. Além disso, atuam em meio a uma lógica na qual as práticas informacionais orientadas pela ética do compartilhamento na internet se dão mediante a transmissão de dados digitais, indispensável para esse modelo de negócio, o que revela outras afinidades eletivas entre a ética do compartilhamento e o "espírito" do capitalismo da era digital. "Valendo-se dessas afinidades, as grandes corporações de tecnologia desenvolvem estratégias para manter o indivíduo conectado e em atividade nas redes, navegando, clicando, interagindo, curtindo e compartilhando, produzindo pegadas digitais e revelando traços comportamentais e dados íntimos sobre sua saúde, sua sexualidade, seu posicionamento político e uma multiplicidade de gostos, preferências e características pessoais", pontua Bezerra, que defende o reconhecimento desse expediente, por meio de estudos críticos e de um posicionamento contundente da sociedade em favor da regulamentação das práticas de captura de atenção e de monitoramento das big techs.
Luciane Cavalcante, professora da Universidade Fedeal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI/Ibict), também participa da obra, com os trabalhos Mediação Cultural da Informação e Feminismo na Ciência da Informação e Ética da Informação nos Estudos de Pós-graduação em Ciência da Informação: o contexto da Ciência da Informação no Brasil.
"Os dados apresentados indicam que as Ciências da Informação precisam ampliar e aprofundar os estudos sobre temas relacionados às agendas feministas. Os movimentos feministas medeiam informação que fortalece as lutas das mulheres dentro das circunstâncias impostas pelo capitalismo e pelas sociedades baseadas no sexismo e nas estruturas patriarcais. Nesse sentido, pesquisas sobre esses temas, no âmbito da Ciência da Informação, contribuem para o fortalecimento das lutas feministas, bem como para o enfrentamento às desigualdades baseadas em gênero", avalia a pesquisadora, no primeiro estudo.
Já o segundo, sobre o panorama dos estudos sobre Ética da Informação no Brasil, Luciane Cavalcante também destaca a necessidade de ampliaçào de pesquisas na área. "É imperativo expandir o desenvolvimento de pesquisas, projetos, disciplinas e eventos no Brasil que englobem a temática sobre ética da informação de modo a contribuir não somente com o desenvolvimento científico, mas também à formação de profissionais da informação e na condução de pesquisas. Fortalecer essa área é crucial para promover uma sociedade informacional mais justa e responsável, na qual o acesso à informação e sua disseminação sejam guiados por princípios éticos sólidos", reforça.
O Livro de Resumos do 4º Encontro do ICIE encontra-se disponível, em acesso aberto e gratuito, aqui.